Foto de Igor Gavar

Após minha afirmação “sou gestante, estou gestando e estou gestante”, não vi na tela do aplicativo nenhum sinal de “digitando” e tampouco de “gravando áudio”. Minha amiga havia ficado muda por um tempo. Até que perguntou:
-Como assim, você tá brincando!
-Não. Não estou brincando. O fato de não estar mais ovulando não me impede de estar gestando sonhos, projetos a curto, médio e longo prazos – como diria o pessoal que mexe com administração e áreas afins. Fui escrevendo para ela como eu me sentia neste novíssimo e desafiador ciclo da vida – sempre consciente da finitude, como tudo que faz parte da natureza.

Aliás, como tudo que faz parte da natureza sou um pouco do Lago Paranoá, um outro tanto dos Pampas, carrego ainda uma carga bem forte da teimosia do Cerrado que, resiliente, pode até passar meses sem cores, mas logo nas primeiras chuvas derrama verdes, vermelhos, roxos tapetes de flores de ipê e frutos diversos beliscados pelas maritacas. Assim sou eu, gestando a vida que habita em mim.

Me sinto uma gestante com expectativas que beiram à volúpia da adolescência e a paciência de quem já ouviu e viu muitas histórias. Compreendo que, mesmo em tempos pandêmicos, difíceis e que mexem com nosso emocional, vivo o melhor momento para gestar o que ainda não coloquei em prática, para realizar antigos e novos sonhos. E quer saber? Descubro ser uma eterna grávida de buenas coisas a fazer.

Afinal, sou daquela geração que gestou os encontros que não deram lá bons resultados, aqueles nos quais as decepções te jogam no olho da onda, bem quando seu leash (estrepe como chamam no Brasil aquela cordinha que vai no tornozelo do surfista o prendendo à prancha) arrebenta e você fica lá no fundão do mar, buscando forças para voltar à luz, pegar a prancha e remar para pegar uma nova onda. Me refiro aos encontros e desencontros que todos temos com as decepções… Administrei. Passou. E sei que mesmo sem a experiência de uma gestora, à época, tirei aprendizados preciosos. O principal é ter paciência e esperar para pegar uma onda melhor – como diria meu filho Fernando.

Me encanta esta possibilidade de recomeço ou de continuidade da vida com novos enfoques, quando o mundo quer virar as costas à geração que ousou sair às ruas e exigir democracia, tomar a causa ambiental, ser mãe solo e quebrar tabus, enfim, nós que já passamos dos 45, dos 50, dos 60 continuamos gestando muita coisa boa, só que agora nossos “rebentos” pós-menopausa se desenvolvem no que alguns chamam de “sonho loucos de coroa” e eu aposto que são belos e viáveis projetos, respeitosos e humanitários.

Quando criança eu não compreendia algumas frases do meu pai, que se reinventou aos 62 casando com minha mãe – 28 anos mais jovem que ele, após ter perdido tragicamente a primeira esposa e filha. Ele apostava na vida e pouco se importava com etarismo. Tratou de ficar surdo às críticas de ter quatro filhos em uma época que homens da idade dele já eram avós. Com ele aprendi que a velhice não é uma despedida da vida, mas uma fase na qual nos dedicamos a outros projetos, com valores muitas vezes mais abrangentes daqueles dos nossos 25 anos. São projetos que priorizam a paciência e a humildade nas relações interpessoais.

Logo, sou aquela avó emprestada do meu vizinhozinho Miguel que, ao contrário do deboche desumano e preconceituoso e nada bem-humorado de que velhos não sabem usar tecnologia, uso e muito. E não estou me referindo ao uso do whatsapp e redes sociais. Me refiro ao uso de softwares que me ajudam no desenvolvimento de mídias para diferentes maneiras de me comunicar e não paro de pesquisar, de estudar porque morre silenciosamente quem se deixa abater pelo preconceito etário.

Por isso digo que estou gestando, que vou parir ainda muitos textos, muitas ideias…É muito bom estar gestante de novos projetos – como o curso de sommelier de chás que dei início ou a construção do nosso motorhome chamado X4Ever, que dia destes deixa o pátio aqui de casa e sai pela estrada. Então, há muito o que fazer e conto com a parceria do meu marido, um 60+ que diariamente acorda às 6, trata do jardim, escreve seus textos, coordena projetos na Amazônia, trabalha na finalização do motorhome e ainda descobre tempo para fazer o nosso almoço.

Queridos e queridas: não tenham medo de gestarem sonhos, de parir ideias (mesmo de cócoras no meio do mato) e colocar em prática projetos que alguns vão apontar como loucura de coroa, mas que sabemos ser mais um movimento de quem enxerga o envelhecimento como uma generosa fase de aprendizado. Etaristas e velhofobicos infelizmente não compreendem como seguimos investindo na vida, nos sonhos, mesmo sabendo da finitude. O que desconhecem é que a vida é melhor quando não nos aposentamos dela, mas sim dos preconceitos e preconceituosos.
Até mais.

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19 comentários
  1. qUERIDA, PRECISA TANTO OUVIR ESSAS SUAS PALAVRAS. sOU ASSIM TAMBÉM DE SONHAR E REALIZAR, MAS…. QUANDO NOS PROPOMOS A DESAFIOS MUITO GRANDE, DÁ UMA SACUDIDA E JÁ PENSAMOS EM DESISTIR. aGORA PENSO, VÁ POR OUTRO CAMINHO… DÁ PRA CHEGAR LÁ… bELEZA!!! oBRIGADA!

  2. Querida amiga…
    Parabéns pelo belíssimo texto!
    Parabéns por manter o olhar curioso e ter a liberdade de ser você mesma…de apreciar a vida, alimentar paixões…
    O tempo não para!!
    Adoro ler seus textos!!!??????

  3. Sinto-me uma permanente gestante. Ideias nao me faltam. Sinto-me muito limitada por nao poder Gestar todas ate o fim. Belissimo e instigante texto.

  4. Deva querida, que sua “gestação ” seja plena,que sua “gestação “,seja infinita,que Seus sonhos nasçam e se reproduzam todos os DIAS.Vc é cor,vc é luz,vc é som e eu sou grata a sua aura refletir em mim diariamente.

  5. Fecho CONTIGO, amiga. Mesmo com todos os percal nao consigo parar de gestar. É mais forte do que eu…. imagino que contigo a SENSAÇÃO seja a mesma. O PROBLEMA é sempre o mesmo, a nossa czbb tem sempre 25 anos… o corpo É que nao entende isso! Me representas, deva ! ❤️????????

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