Há dias de imensa tristeza nesses mais de 12 meses de pandemia. Porém, vamos combinar que também continuamos a ter alegrias, boas surpresas e o que é melhor: novos aprendizados. Somos eternos aprendizes. Até mesmo a impossibilidade -diriam alguns que é cautela-, de não ir ao cabeleireiro por conta do vírus que aterroriza os moradores do planeta, é um bom motivo para repensar conceitos, preconceitos e olharmos para a mulher linda que existe debaixo dos caracóis, das fartas madeixas ou de uma peruca que nos permite olharmos no espelho e dizer: amanhã será um dia bem melhor.

Felizmente sempre me descubro em atitudes, gestos, palavras, roupas e detalhes inimagináveis. Confesso: ler o Inconformidades e escrever essa coluna tem sido um bom exercício para repensar temas, analisar outros e conhecer outros tantos e me divertir com tudo que se pode carregar em uma bolsa….

Decidi correr atrás de respostas de amigas para escrever essa e outras crônicas, fazendo perguntas de rotina, outras bem mais íntimas. Fiz uma espécie de enquete com elas. Foram várias perguntas, muitas respostas, alguns silêncios. Vou começar contando sobre o que alguma delas fez com os cabelos neste período de pandemia. Não é uma pergunta boba, pois aborda histórias de vida. É um assunto que tem tudo a ver com algo que as pessoas realmente dão muita atenção: seus cabelos ou a ausência deles.

Eis que, depois de ver uma postagem minha com meus cachos em movimento (sem tintura e sem corte), Luiza me manda uma mensagem com a foto dela e sua vasta cabeleira loira, abaixo dos ombros, quase no meio das costas, como eu nunca havia visto nos mais de 20 anos de amizade (e somos tipo unha e cutícula). Junto da foto a seguinte frase: “não é só tu que tens cachinhos”. Eu amei a foto, amei a decisão dela de deixar crescer o cabelo e logo lembrei de uma cena que, não fosse tão preconceituosa, diria ter sido hilária e que me empurrou a escrever sobre cabelo e regras que não se sabe quem criou e quais sentidos têm.

Um dia cheguei na redação do jornal onde trabalhava com um vestido acima do joelho, mostrando as poderosas pernocas de quem na época tinha 30 e poucos anos e os cachos pulando da cabeça, dando boa tarde a todos. Foi chegar na editoria e ouvir de uma colega: “Aproveite para usar vestidinho curto agora, porque depois dos 40 não poderá mais. Aliás, depois dos 40, prosseguiu ela em tom de sentencial, o cabelo sobe e a saia desce”.

Detestei aquilo. Não quis entrar em discussão por algo tão minúsculo. Pensei: não quero essas regras para minha vida. Espero que a ex-colega tenha mudado de ideia e agradeço por minhas queridas Luiza e Marita, mulheres lindas e na casa dos 58+, terem me respondido animadamente o porquê de terem deixado suas cabeleiras abaixo dos ombros, já que desde sempre usaram o corte chanel mais longuinho, sem nunca terem ousado o curtíssimo, pelo menos na fase adulta.

Além delas, a corajosa Carla, que acaba de doar a peruca que a encorajou a ir a um restaurante com o marido no dia dos namorados, na fase de quimioterapia. As histórias vão bem além do fato de terem receio de encarar o salão nestes dias difíceis do coronavírus solto por aí. Cada uma tem sua história e até eu vou contar quando foi a única vez na vida que desfilei com longas madeixas na capital de Gana, Acra, na costa Leste da África. E mais: até Ronnie Von é por aqui lembrado – e as que nasceram na década de 60 lembram dos cabelos longos dele.

Ronnie Von recebeu rosas de garota com cabelos na cintura
Luiza me contou que realmente não estava disposta a ir ao cabeleireiro só para dar aquele tapinha de sempre e que como está em teletrabalho, sem eventos para participar, decidiu deixar o tempo se encarregar dos fios longos e brancos crescerem à vontade. Ela está com uma farta cabeleira loira, com fios crespos na parte interna e lisos na parte de cima. “Não vou mexer nele por enquanto”, me disse ela ao confessar que está curtindo o novo visual, que dá para fazer coque, rabo de cavalo e ainda por cima vai protegê-la quando o vento minuano soprar na esquina do Rio Grande do Sul. Eu penso que com toda razão ela não deve mexer no comprimento das madeixas, pois ficou gata com a cabeleira longa contornando a carinha de moleca com olhinhos verdes. E, sem mesmo me dar conta, me vi rindo enquanto olhava a foto enviada por Luiza e disse para os teclados do notebook: quem inventou que mulher acima dos 40 deve usar cabelo curto deveria estar morrendo de inveja de alguma amiga. Só pode, pois Luiza está bela, feliz e contente com sua cabeleira longa.

Maritinha tem um biotipo cheguei. Brinquei com ela ao ver o novo look: “você parece a Gal Costa”. As fartas sobrancelhas e cabelos pretos, pesados e lisos, não denunciam que atrás daquela figura forte está uma mulher de fala doce, que gosta de contar detalhes, sensível e apaixonada pela icônica Mafalda, personagem de Quino. Por que você deixou seu cabelo tão grande assim, questionei?

“Deva, sempre gostei de cabelos grandes. Quando criança, chorava muito quando cortavam curtos os meus cabelos. Minha mãe, então, brincava que eu era a versão menina do Sansão. Ainda assim, desfilei por um tempo – mais pela insistência de outros do que por minha vontade – o visual da moda de Rita Pavone ou o estilo joãozinho. Na época, brincávamos o dia inteiro nas ruas e acho que mães e tias achavam o corte mais prático de cuidar. E ainda tinha a moda”, me revelou Marita.

Interessante, pensei, minha mãe também cortava meu cabelo curtinho. No meu caso a explicação usada foi: eu era muito mignon, magricela, ficaria virada em cabelo se deixasse as madeixas crescerem”. Incrível como seguimos padrões e não somos ouvidos. Pelo menos era assim nas cidades do interior do Brasil, conservadoras, nas quais as meninas não tinham muitas chances para dizer não – embora lá pelas tantas, criaturas menos pacientes, como eu, se rebelassem.

Deixar ou não a cabeleira crescer, em qualquer idade, sempre têm motivos que não estão apenas na moda. Eu me identifiquei muito com a história da Maritinha, pois sempre desejei ter longas madeixas à Sônia Braga, coisa que só consegui quando morei em Acra, capital de Gana, na África, e por apenas 24 horas (tempo suficiente para ir a um pequeno evento). Caprichei num alongamento lá pela cintura e desfilei num salto, feliz da vida com minha única noite de madeixas à la Braga.

Já Maritinha lembra ter atribuído o fato de não ter sido escolhida para entregar um buquê de rosas ao cantor Ronnie Von, em um show numa cidade do interior mineiro, pelo fato de ter cabelos curtos. Cá entre nós, é possível que ela esteja certa: a estudante escolhida para entregar o buquê tinha cabelos lindos e quase na cintura. “Para minha “inveja” infantil recheada de muitas lágrimas, ela entregou o buquê a um Ronnie Von, de cabelos longos. E esse era o Ronnie, uma das paixões dos meus seis ou sete anos”, revela Maritinha.

Enfim, como tantas de nós, Maritinha lá pelos 18/20 anos tomou conta de suas madeixas: deixou a cabeleira farta, livre e solta, adornar ombros e aquela carinha recém-saída de uma história das arábias. A jovem Marita, magra e com cabeleira cheia e longa, ganhou o apelido de Gal Costa e Maria Betânia – então não errei na comparação.

Nos anos 80, na redação de um jornal de Brasília, um outro apelido alegrava minha amiga: Rapunzel.
Mas nem sempre a cabeleira que cultivamos é a que sempre desejamos. Às vezes – e nem tão raras vezes – as madeixas que as mulheres mostram são tudo que podem ter. E elas fazem esforços imensos para tê-las. Me refiro às que , após uma série de quimioterapia, precisam enfrentar um outro desafio: não ter mais cabelos e, mesmo assim, manter a autoestima.

Assim foi com Carla, que acaba de doar a peruca que ajudou na sua autoestima para outra mulher que esteja passando por uma fase doída, mas que vai ser superada – como a que ela passou. Com câncer de mama hereditário, ela passou por várias sessões de quimioterapia. Claro que pensou no cabelo que iria perder. Que mulher não pensaria?

Carla queria viver e apostou tudo na superação. E venceu. Mas, o cabelo – que já tinha sido vermelho, preto, loiro e era a cara das relações públicas – agora precisava ser contido por uma touca elastogel. Só que meses e meses de quimio não permitiram segurar o cabelo liso da Carla. Então, ela apostou em uma peruca que fosse muito semelhante às suas madeixas.

Foi com a peruca que Carla comemorou o dia dos namorados em um shopping, foi com a peruca que só lavava a cada sete dias que ela se olhava no espelho e revigorava a coragem para seguir adiante. Agora, com seu próprio cabelo, ela segue adiante, deixando um belo exemplo de coragem. “Minha peruca foi minha salvação. Eu sabia que iria viver.

Foi importante comprar a peruca. Eu queria parecer eu mesma”, conta Carla. E eu, com meus cachos rebeldes que já me deixaram na mão na hora de ser escolhida para repórter, quando à época todos queriam repórteres de cabelos lisos e organizados, fico feliz pela rebeldia deles. Fico mais feliz em ouvir as histórias de mulheres que usam seus cabelos como querem ou como o momento permite, sem regras. Além disso, vivi para confirmar que com 40, 50 ou seja lá qual for sua idade, não tem essa de descer a barra da saia e subir o cabelo. Cada mulher sabe o que é melhor para se sentir feliz. Concordam?

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7 comentários
  1. Lindo texto sObre esse enfeite tao iMportante para nós: nossos caBelos. Eu também passEi um ano careca. E tinha diversas perucas. Mas gostava tambem de mostrar minha cAbeça pelada – cabelo PrÁ mim, só comPrido! E nunca vou ao cabeleReirO. Eu corto na frente, meu marido atrás! E vamos que vamOs!

  2. Querida Deva adorei o texto!
    Decidi parar de tingir os cabelos, tentei orgulhar dos meus cabelos grisalhos, mas não consegui. O desafio foi grande demais pra mim…
    Aceitar os cabelos grisalhos mexeu muito comigo.
    PRefiro pensar que os cabelos podem ser de qualquer tamanho ou cor…
    O que importa é a alegria de viver…
    O sorriso nos lábios e A paz no coraçao…

  3. Este é um espaço feminino, o que faço por aqui? Primeiro, porque gosto da escrita, mas para ser mais séculos XXI , da “digita” de Deva, que CARINHOSAMENTE chamo de Devita, por sua vitalidade, desde sempre. Mas Voltando aos cabelos: sempre me perguntei, porque espera-se que senhoras usem cabelos curtos? todavia senhoras EVANGÉLICAs ou NORDESTINas, sempre estejam com seus indefectíveis RABos de cavalo. cabelos imensos sempre quis. Na adolescência impossível, mãe proibia – coisa de maconheiro – Depois, adulto usei back power, quando começou a branquear, tinta neles. Hoje assumi Os brancos, são antenas do amor. Registro que sempre tive o sonho de cortar os cabelos de Betânia e Gal, enquanto elas dormiam. Já os cabelos de Marita, nossa colega querida, chamo de cabelos lunares – poético né.

    1. Querido taroco: nao te conheci na fase black power, mas deveria ser charmoso. Obrigada por me ler, sempre. Vice me provocou a escRever aibre como os rapazes pensam os cabelos ??? Em tempo: aqui é um espaco para todos e todas. Bem-viNdo ao inconformidades. GRATIDÃO.

  4. Amei a matéria!
    A auto ESTIMA das mulheres, muitAs vezes, gira em torno dos cabelos! O cabelo mostra Seu comportamento, expressões, diz muito da personalidade das MULHERES!
    Ela se exibe com cabelo e TAMBÉM se esconde neles, NÃO é mesmo?!
    Sempre tive cabelão, aqueles que a Gente olha na tv e deseja, liSo na raíz e CaChos longos nas pontas e De REPENTE onde foram parar meu cachos??? O cabelo foi alisando, Creio que devido ao estresse causado por essa onda PANDÊMICA e Monotona. ENTÃO…resolvi mudar! Cortei bem curto e seja o que Deus quiser, que venha melhor e SAUDÁVEL, trazendo mEu amor por eles de volta ?????

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