Sei que você está curiosa para saber mais sobre meu caso com o francês, aquele tipo Robert Redford, que apareceu no restaurante onde eu trabalhava na Suíça italiana, quando tinha lá meus trinta anos. (“Sombras de um amor distante” e “Robert Redford, versão francesa”) Mas hoje, ao 61, e, como você provavelmente sabe, morando na Alemanha há muito, vou te contar um pedacinho da minha vida atual.

Estou viajando pelo Brasil já há quatro semanas, após ter ficado nove anos sem visitar essa minha terra natal. Passei por Americana, onde mora meu irmão mais novo com sua família. Estive em São Paulo, onde participei do primeiro encontro presencial dos colunistas do Inconformidades.com. Fui então para o Rio de Janeiro e não deixei de visitar meu irmão mais velho, que é autista, em Juiz de Fora, cidade onde nasci. De lá, vim para o Nordeste, estou em Natal, de onde escrevo agora.

Minha primeira estação no Nordeste foi em São Sebastião do Umbuzeiro, uma cidadezinha de uns quatro mil habitantes no sertão da Paraíba. Talvez você se pergunte o que me levou a ir lá. E justamente isto é o que quero te contar hoje…

Era uma vez um pai de família com quase 50 anos, que ficara sozinho num povoado de pescadores no Nordeste, pois lá não havia escola para seus filhos. A família mudou-se para uma cidade maior. Sua mulher, preocupada com o bem-estar do marido, contratou uma mocinha nos seus 16 anos, que cuidaria das tarefas domésticas para o marido.

Quis o destino que o marido ficasse encantado com a jovialidade da mocinha e os dois se tornaram amantes. Eis que a mocinha ficou grávida e, por motivo até hoje desconhecido de todos, o casal doou a criança para um fazendeiro do sertão paraibano. Tal fazendeiro tinha cinco filhos legítimos. E, generoso que era, mais uns nove que havia pegado para criar, pois de famílias pobres ou abandonados. Uma penca de crianças vivia naquela fazenda, meninos e meninas, satisfeitos e felizes com o pouco que tinham, pois tinham uma família e amor.

O filho daquele casal de amantes, atendendo pelo nome de Adriano, cresceu longe dos pais naquela fazenda. Brincando com bois, jumentos, cavalos, cachorros, galinhas, cabritos, bodes. Cresceu indo a uma escola, onde havia somente uma classe para todas as séries e um ensino muito precário. Cresceu sujo de barro, de poeira do sertão e metendo a mão no melaço do engenho da fazenda. Vivia sujinho, cheio de vermes, mas feliz.

Adriano sabia que não era, como muitos dos seus irmãos de criação, filho legítimo do fazendeiro. Contava para todos, com orgulho e na sua ingenuidade, que tinha dois pais e duas mães. Mas cresceu com medo de que o pai ausente viesse um dia buscá-lo, tirá-lo dali, do seu paraíso. Do mundo que conhecia e amava. Tinha muito medo do desconhecido, pois vivia uma vida simples, mas não lhe faltava o mais importante: amor.

Certo dia, quando tinha por volta de seus oito anos, um de seus irmãos da fazenda o chamou, dizendo que seu pai verdadeiro viria em breve buscá-lo. Que daria a ele uma injeção para que adormecesse e, assim, o levaria consigo. Adriano ficou apavorado, imaginando o que poderia acontecer. Não queria sair dali, amava seus pais, seus irmãos.

Adriano

Fato é que, numa tarde quente de dezembro, ouviu-se um barulho de motor e um carro apareceu na porteira simples da fazenda. Um dos rapazinhos, irmão de criação de Adriano, gritou: “É o pai do Adriano, é o pai do Adriano!” Adriano, ouvindo aqueles gritos, desandou a correr canavial adentro, com medo de tomar uma injeção, adormecer e acordar num lugar completamente diferente daquele, junto com seu pai, que, embora verdadeiro, fosse nada mais do que um desconhecido.

Foi um corre-corre imenso. Todos procuravam por Adriano, todos corriam atrás dele. Um de seus irmãos maiores, com pernas já mais compridas e uma corrida muito mais rápida, conseguiu alcançar Adriano e o trouxe nas costas, sendo que este esbravejava que o deixassem correr.

Ao chegar no pátio da fazenda, carregado pelo irmão e berrando alto, viu que seu pai o esperava com um enorme pacote de presente colorido, dizendo que tal era para ele. A curiosidade de Adriano, que jamais havia visto um pacote tão bonito, venceu seu medo. Deixou-se colocar no chão, correu para o pai, tomou de suas mãos o embrulho o mais rápido que pôde e igualmente veloz, rasgou o papel colorido! Não acreditou nos seus próprios olhos: um trator de plástico vermelho, igualzinho aqueles grandes que via de vez em quando passar pelas redondezas. Que maravilha!

Com muito cuidado, o pai de Adriano foi se aproximando do moleque, falando com ele com muito carinho, em voz baixa, explicando as funções do brinquedo. Adriano se deu por vencido e aquele medo do próprio pai foi deixando aos poucos de existir. Outras visitas se sucederam, até que, quando Adriano atingiu seus 16 anos, o pai o convidou para ir morar com ele em seu sítio, nas imediações de São Paulo. Isto, juntamente com sua família legítima, pois aqueles amantes de outros tempos eram agora casados e tinham outros dois filhos.

Adriano, então já curioso para conhecer um mundo diferente do sertão paraibano, diferente da fazenda onde passou a vida inteira até então, aceitou o convite e acompanhou o pai, começando uma nova vida.

Adriano entrou na escola, deveria terminar o que na época, anos oitenta, era chamado de ginásio. Frequentava a escola rural próxima do sítio do seu pai, junto com as crianças de dez, doze anos. Era o grandão da turma. Fez o supletivo para ganhar tempo e assim, completar o segundo grau de forma mais rápida.

O relacionamento com os pais era tenso. Adriano havia recebido uma educação muito diferente, liberal. Estava no auge na puberdade e maneiras, não tinha. Gostava muito de garotas e pouco de estudar. Mas não era preguiçoso e logo resolveu que teria que trabalhar. Quem sabe, trazendo dinheiro para casa, o clima na família não melhorasse? Afinal, era já quase um homem e como tal, não deveria ser mais sustentado por outros.

Passou por acaso numa oficina de carros e viu uma plaquinha “procura-se ajudante”. Sem pestanejar Adriano entrou. “Você tem experiência com trabalhos numa oficina?”, perguntou o mecânico. “Sim, tenho”, mentiu Adriano, que nunca havia tocado num alicate. O mecânico mandou então que ele buscasse um taquímetro. Adriano não sabia que ferramenta era aquela. Naturalmente que trouxe a errada. Mesmo assim, foi empregado. E acabou ficando naquela oficina por muitos anos, até que seu pai o chamou para trabalhar na empresa de material fotográfico que havia fundado.

Trabalhou na firma do pai durante muitos anos, no início como motorista e, mais tarde, como vendedor. Assim, passou a ir com frequência às grandes cidades do Nordeste para atender clientes. Sempre que o fazia, não deixava de passar na fazenda em São Sebastião do Umbuzeiro, para visitar o pai que o criou e os irmãos de criação. Numa destas visitas, conheceu uma linda e jovem mulher, pela qual se apaixonou.

Passou a ir com frequência àquela cidade, fez amizades com muitos, pois sempre foi de índole simpática e generosa. Até que recebeu uma proposta para trabalhar na secretaria do município, a qual aceitou. Assim, poderia ficar perto de sua amada. Casou-se com ela, teve dois filhos.

As eleições para prefeito estavam por vir, cinco anos atrás. Os moradores de Umbuzeiro, maravilhados com sua generosidade, seu senso de justiça, sua vontade de ajudar, suplicavam que Adriano se candidatasse. Adriano, mesmo relutando, o fez. Ganhou as eleições por poucos votos. Fez grandes melhorias no município, implantou diversos serviços beneficiários aos cidadãos locais. Tornou-se um prefeito muito querido pelo seu povo.
Foi reeleito no ano passado com 86% dos votos.

Estive em sua casa, dois dias atrás, pois Adriano é meu meio-irmão. É filho do meu pai e sua mãe, a mocinha que minha mãe contratou, como mencionei acima. Já escrevi sobre sua origem, releia aqui: “Quando acaba um sonho” e “O primeiro beijo e batatas chips”.

Passei horas vendo como meu meio-irmão é querido. Vi que não deixa de atender nenhuma pessoa que vá pedir alguma coisa na porta de sua casa, seja em que horário for. Ouve a todos e ajuda a resolver problemas. Ele tem muitos projetos de melhorias na cidade e seu nome vem sendo citado sempre com mais frequência nos jornais da Paraíba. Adriano é um político nato, daqueles que a gente não encontra mais, que pensa primeiro no seu povo, depois em si.

E eu não duvido nada se, daqui a alguns anos, seu nome for ecoar em Brasília. Acho que seria bom para o Brasil. Imagine você: aquele moleque todo sujinho e cheio de vermes, doado pelos pais, fazendo o bem para milhões de pessoas!

Parece conto de fadas. Mas não é.

Queria contar isto para você, para te mostrar como a vida pode dar guinadas incríveis, quando a bondade e a coragem vencem. Adriano passou quase um ano na minha casa na Alemanha, isto já faz muito tempo e é uma outra história que vou contar de uma outra vez. Gostou de ler? Escreva ali nos comentários. Pois da próxima vez, volto com o desfecho do meu caso com o francês, prometo.

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16 comentários
  1. Que lindaaa história, ainda mais por conhecer Adriano, porém não sabia de foto a história, ele é merecedor de tudo quê há de melhor!

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