No começo dos anos 2000 fui a uma cerimônia para celebrar o final do curso de produção de vídeo técnico que fiz em Okinawa, no Japão, e fiquei encantada com a camisa usada por um colega das Filipinas. De um tecido branco delicado, textura macia e com bordados discretos, a camisa de Elmer Guizano era, sem dúvida, a roupa mais interessante usada pelos homens da turma. Obviamente não me contive: elogiei a roupa e não escondi o desejo de saber mais detalhes sobre o material da peça. Para minha surpresa, a camisa havia sido feita com tecido fabricado a partir de fios da fibra de abacaxi, uma técnica tradicional no país de Guizano. 

Se a impecável camisa de Elmer Guizano me encantou, imaginem como é minha expectativa sobre as novas possibilidades à fabricação de roupas à base de plantas que, ao mesmo tempo em que não esgotam o solo, ainda podem ajudar à elaboração de tecidos sustentáveis – como por exemplo o cânhamo. 

Pois meu sonho de ver nas vitrines peças produzidas com têxteis enraizados na cultura e na biodiversidade brasileiras pelo jeito também é sonhado por outras pessoas e não está tão longe de virar realidade. E quem me dá essa boa notícia é o designer e pesquisador Junior Costa (@juniorcosta4), criador do Labb4 – Consultoria e mentoria de materiais, transição sustentável  e gestão de resíduos, localizado em São Paulo. 

Ele faz parte de uma geração de designers que leva muito a sério a urgência de os diferentes elos da cadeia produtiva da moda trabalharem com os três pilares da sustentabilidade: ambiental, social e econômico. Isso, contudo, significa bem mais do que elaborar peças a partir de matérias primas com fibras naturais, mas principalmente caminhar na mesma direção da pesquisa científica para a descoberta de têxteis não poluentes ou, em outros casos, tornar possível a ressignificação de materiais usados por comunidades quilombolas, por exemplo, localizadas em todos os biomas do Brasil.

Segundo Junior Costa, mestre em Design e Marketing de Produto Têxtil, Vestuário e Acessórios pela Universidade do Minho, localizada em Guimarães, Portugal,não há mais espaço para a utilização de matérias primas de difícil descarte ou aquelas que teoricamente são orgânicas. 

Durante o mestrado ele fez um estágio em uma indústria que tinha o objetivo de alcançar a sustentabilidade 360, ou seja, fazer a gestão dos seus resíduos e assim eliminar os impactos no ambiente. “Mas, como ainda existe pouca matéria prima 100% sustentável, há dificuldade em tornar possível  a indústria chamada 360″” explica Junior Costa. E foi justamente essa falta de matéria prima que chamou atenção dele, que passou a mobilizar seus esforços durante a pós-graduação em Minho para pesquisar novos têxteis com base na natureza, especialmente nas plantas.

Resíduos alimentares viram matéria-prima à moda 

As novidades sobre moda sustentável, têxteis a partir de plantas e de materiais reciclados, além de interessantes do ponto de vista estético, são carregados de uma importância ímpar se pensarmos à urgência de colocarmos em prática, de fato, a economia verde em um país de imensurável biodiversidade. Pensando nisso, o criador do Labb4 direcionou as pesquisas de campo do mestrado em Minho (região que concentra um dos principais polos de produção têxtil de Europa) para o aproveitamento de resíduos alimentares domésticos – pois durante o período de distanciamento social devido à pandemia da Covid ele não teve como expandir a área física da parte empírica do trabalho, coletando outros tipos de resíduos da natureza.

Junior Costa fez testes com cascas de maracujá, de laranja, banana e até de frutas secas na busca de material biodegradável para fazer acessórios para roupas. Resultado: obteve botões feitos a partir de um composto 100% natural com base em cascas de laranja. “Consegui dar cor aos botões, sem a necessidade de tingimento químico”, comemora Junior Costa. Ele segue pesquisando materiais para levantar novas hipóteses de matérias primas sustentáveis. 

Se a intenção do criador do Labb4 de levar para o doutorado – próximo passo à carreira dele, a tese de que o futuro da moda depende dos três pilares da sustentabilidade é provável que em breve possamos vestir, por exemplo, um vestido feito de fibra da bananeira ou, quem sabe uma jaqueta de couro vegetal a partir de plantas da Caatinga. A depender de Junior Costa – que já produz vestidos de materiais reciclados e outros que tomam como base a experiência de quilombolas na produção de peças com couro de bode – isso logo pode ser realidade. Ele cita como exemplo uma empresa mexicana que comercializa acessórios produzidos a partir de cactos (ou couro vegano). 

Os primeiros passos para incentivar e viabilizar projetos de roupas e acessórios sustentáveis, já foram dados por Junior Costa com o Labb4 que, segundo ele, é uma espécie de vitrine do que vem sendo realizado no campo da pesquisa rumo à moda que valoriza os materiais naturais que não causam impacto à natureza. A julgar pela determinação dele, típica da nova geração atenta aos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados pela Organização das Nações Unidas (ONU), os botões de cascas de laranja em breve estarão disponíveis para seu vestido ou seu casaco. E, quando você se cansar das peças, alguma indústria recolherá suas roupas e as transformará em novos e elegantes vestidos de fitilhas. Enquanto isso, façamos a nossa parte: use, abuse, recicle e dê preferência aos têxteis de fibras naturais.

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9 comentários
  1. nas minhas costurices eu encontrei um fornecedor de tecido confeccionado com garrafas pet, para cada metro de tecido são utilizadas 6 garrafais plásticas, me sinto feliz em fazer parte da diferença que contribui para o melhor.

  2. É alentador ver essa tecnologia de fazer tecidos sustentáveis começar a ser explorada. Vontade de ter uma dessas roupas! Parabéns pela matéria, Deva.

    1. Deva, que boa notícia e delícia ler sua matéria!!! Fico pensando como posso colaborar com tudo isso, embora já faça a minha parte com relação à coleta seletiva e agora conheci a eco patas, que recicla tampas de garrafa plástica e a renda é usada para castrar animais de rua em SP.
      Doida pra ver como posso trazer pra cá esse projeto e agora fico sabendo desse tecido!!!
      Parabéns ?????
      Encantada!!!!

    2. Hi Deva, Thanks for the feature on my shirt called the Barong Tagalog made of pineapple fiber. In the Philippines we also use banana and hemp or abaca as material for clothing. Before these textiles are just used for national costumes but now designers used them for everyday clothing whether for the office or casual and most specially formal wear.
      Obrigado!

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