Nunca se falou tanto de saúde mental, desde o início da pandemia o número de pessoas com depressão, ansiedade e outros transtornos subiu vertiginosamente. A grande questão é que ainda há preconceito e falta de informação sobre o tema, o que dificulta a busca por soluções. Pensando nesse quadro eu quis trazer neste mês uma convidada mais que especial, a Maria Fernanda Quartiero que fundou recentemente o Instituto Cactus, cuja missão é justamente promover a saúde mental.

Fe, eu sei que o Instituto Cactus não é a sua primeira incursão no empreendedorismo social. Como foi a sua história até chegar aqui?

Oi, Alê, sabe que quando paro para pensar o momento exato que comecei a “empreender” socialmente me dou conta de que foi cedo do que imaginava. Sempre me envolvi em ações de assistencialismo com minha avó e depois minha mãe, sogra, amigas… Organizando a sociedade próxima para executar alguma boa ação. Mas no fim do dia, aquilo tinha algo que me incomodava. Era um apagar de incêndios, todos os anos as mesmas coisas. Me sentia impotente em não conseguir mudar a estruturaviciosa daqueles pedidos. Então em 2016 tive a oportunidade de ajudar a montar uma organização sem fins lucrativos, focada em educação inclusiva. Fiquei por 4 anos no conselho de uma linda causa, que aborda a importância da diversidade e inclusão de todas as crianças nas escolas. Foi ali que comecei a mudar o meu olhar para a filantropia. Em 2019, tirei o ano para me aprofundar mais sobre impacto social no Brasil, venture philantropy, blended finance, que me ajudaram a desenhar o que seria hoje o Instituto Cactus.

Por que saúde mental e por que o foco em jovens e mulheres?

Nessa caminhada entendi que o Brasil já estava muito maduro em setores como a educação por exemplo, com estruturas de investimento e execução bem encaminhadas. Não queria ser mais um instituto na jogada. Tinha que definir alguma coisa para fazer a diferença em todos os aspectos sem deixar de olhar os ambientes vulneráveis no Brasil. Escola, saúde, violência, empregabilidade e outros tantos. Assim, foi tomada a decisão de focar em saúde mental. Não tem como melhorar índice de nada na vida sem abordar saúde mental.

Outro desafio foi ter que fazer o recorte de atuação. Tem gente muito boa olhando para a primeira infância e o jovem adulto. Os adolescentes ainda são uma parcela marginalizada na sociedade. Costumo dizer que o período do Fundamental 2, na faixa etária de 10 a 14 anos, é totalmente invisível. Esses jovens serão a próxima geração do Brasil. É nessa idade que surge 50% dos problemas em saúde mental que o individuo vai ter no futuro. As questões como evasão escolar, uso de álcool e outras drogas, começam exatamente aí.

Agora, como não focar em mulheres? Nós somos os vetores para qualquer mudança em uma sociedade, em qualquer período geracional. Estamos na maioria dos lares, dentro das escolas, na atenção básica da saúde. E sem falar que a depressão atinge 2x mais as mulheres. Uma em cada 5 mulheres apresentam transtornos mentais comum, ao passo que, esse número é de 1 a cada 2 mulheres para aquelas com alta sobrecarga doméstica. Ou seja, a nossa realidade.

Eu acredito que você tenha pesquisado muito antes de abrir o Instituto. O que você achou de mais interessante em outros lugares do mundo? Há algum exemplo que você queira compartilhar?

Sem dúvida, logo no esboço do Instituto Cactus eu me deparei com uma imensa falta de dados sobre saúde mental aqui no Brasil. E o que existia era bastante desatualizado. A primeira iniciativa foi a encomenda de uma vasta pesquisa, mapeando o que existia sobre esse assunto fora do Brasil e aqui também. Como, esse tema era abordado, quem eram os players, como a sociedade concebe saúde mental. Foi gerado um material riquíssimo, que será publicado agora em março. Vai dar munição pra muita gente.

A Inglaterra é o país mais avançado nessa questão no mundo. Meu sonho de consumo hoje é que a gente possa se tornar como eles. Iniciativas públicas e privadas avançadíssimas no tema. Temos a Mental Health Foundation e a própria família Real envolvidíssima na questão.

O quanto a pandemia piorou o cenário de saúde mental dos brasileiros?

Piorou tanto que agora mais pessoas têm falado sobre isso. As empresas têm falado sobre isso, pois o desempenho dos funcionários caiu, as escolas, pois os professores estão adoecendo e os alunos diminuindo a capacidade de aprendizado, as famílias que começaram a conviver mais e a ter tempo de olhar pra dentro, a mídia têm falado sobre isso, clamando uma postura mais humana de nossos líderes. Para um assunto que era colocado embaixo do tapete, a pandemia foi um presente para essa questão vir a tona.

Como pessoas comuns podem se envolver com a causa?

Ale, me arrisco a dizer que indiretamente todo mundo já está envolvido com a causa. Saúde mental é igual a beber água. Não dá pra ficar sem. Como se sabe, isso ainda é um assunto tabu e a maior barreira que temos pela frente é o estigma. Levar informação correta, lapidar o preconceito e falar disso abertamente, faz com que mais pessoas se sintam convidadas e a vontade no processo. Ajudar a levar essa bandeira para mais Institutos, coletivos e organizações da sociedade civil já é um grande envolvimento. Por fim, como cidadãos podemos sempre influenciar politicas publicas através do nosso voto procurando entender como as propostas podem ou não impactar a vida das pessoas quando a gente pensa em acesso a saúde.

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