Depois do fiasco daquela história de amor com o tal alemão casado (“O belo alemão do sobretudo marrom”), eu quis voltar para o Brasil. Saíra do emprego que não me enriquecera em nada profissionalmente e estava infeliz vivendo na casa da minha tia. Já há quase um ano na Alemanha, juntei toda minha coragem e contei para minha tia que tinha decidido voltar para casa.

Claro que minha tia não aceitou essa decisão assim, sem mais nem menos! Como ela sempre fazia quando era pega de surpresa com alguma novidade, disse que teríamos que conversar sobre o assunto mais tarde. Boa tática. Assim, ganhamos tempo para pensar no assunto, antes de dar uma resposta impulsiva e talvez, errada. Adotei. E você, o que acha?

No jantar do dia seguinte, conversamos sobre o assunto: minha tia tinha vários argumentos contra eu voltar tão cedo para o Brasil. Afinal, eu ainda não tinha um vocabulário alemão extenso e tão pouco havia feito todos os cursos e provas da língua, como havia planejado.

Impossível

O meu grande dilema, muito íntimo e pessoal, era morar na casa dela, mas como dizer isto para ela sem a magoar, ela, tão generosa? Impossível. O grande problema dela era como conseguir um emprego para mim. “O que você gostaria de fazer, no que te daria prazer trabalhar, o que gostaria de aprender?” fez-me esta pergunta, que jamais alguém tinha feito.

Eu sempre trabalhei, desde os 13 (“Fingindo ser feliz”) e até mesmo antes, em casa, com meu pai (“O primeiro beijo e batatas chips”). Mas nunca trabalhei pelo prazer da tarefa em si. Trabalhei porque tinha que trabalhar. E o prazer vinha como que automaticamente. Ou não.

“Propaganda! Eu adoraria mexer com propaganda!”, saiu como relâmpago, minha resposta. Sempre adorei passar horas olhando os comerciais nas revistas, na televisão, nos outdoors. Mas jamais havia pensado em fazer disto uma profissão. E nem sei por que dei aquela resposta, mas dei. Talvez achando que se tal se mostrasse impossível, ela concordaria que eu voltasse para o Brasil.

Mas você não conheceu minha tia. “Nada é impossível, desde que queiramos”, foi o que me ensinou. Sua resposta ao meu desejo de trabalhar com propaganda: “Eu tenho um amigo… aliás, estou projetando seu escritório, no momento. Ele tem uma agência de propaganda em Düsseldorf. Vou convidá-lo para jantar. Ele vai te adorar! Quem sabe ele tem uma colocação para você?”

Gente, não acreditei! Como pode um tiro sair assim pela culatra?

No sábado seguinte, estávamos lá, nós duas, na cozinha, preparando o jantar para o tal amigo e sua esposa. Eu de brinco de pérolas, cabelos presos num coque, vestido cafona que havia ganho de presente da tia e sapatilhas. “Que maravilha”, pensei, chateada.

O tal do Kröber, esse era o nome do dono da agência, passou o jantar inteiro conversando comigo, me fazendo milhões de perguntas! E o mais engraçado: eu poderia ter dado umas respostas burras, mas nem sei por que, dei o melhor de mim naquela noite! E ganhei, sem ao menos querer, um lugar como aprendiz na tal agência de propaganda, vaga esta que foi inventada só para mim! Consegui o não queria! Será que não queria mesmo?

Tinha ali muitas regalias, num time de nove pessoas, todos bem mais velhos do que eu. Estava sempre presente nas reuniões mais importantes, participava de decisões. Sempre pediam minha opinião sobre fotos, cores, layouts e até textos, embora meu alemão fosse ainda muito restrito. Tinha uma sala só minha e ganhava um excelente salário.

Muitas vezes, o Sr Kröber alugava suítes em algum hotel de luxo nos Alpes e levava toda a equipe para passar uns dias trabalhando num lugar onde “poderíamos deixar a nossa criatividade fluir”. Pela manhã íamos todos esquiar, fazer esporte, eu tive até um professor particular de esqui, custeado pela agência, claro. O que não ajudou em nada, pois, como tenho medo de altura, até hoje não sei esquiar, desisti depois de muitas tentativas, em épocas diferentes da minha vida. Afinal, não é necessário podermos fazer tudo!

Claro que… Saí da casa da minha tia o mais rápido que pude. Com a desculpa de que tinha que morar mais próximo ao escritório, aluguei meu primeiro apartamento em Düsseldorf, cidade onde ficava a agência. Era um apartamento pequeno e de um cômodo só, mas num prédio bonito e bem localizado.

Fui ao cabeleireiro. Fiz permanente no cabelo. Lembra? Anos 1980, todo mundo fez permanente! Voltei a fazer musculação numa outra academia. E lá conheci o Michael. Um estudante de arquitetura, da minha idade, ou seja, seus 23 anos, família classe média baixa, para desgosto da minha tia. Mas a opinião dela já não era muito importante para mim. Estava vivendo a minha vida.

E, sem os olhos cuidadosos da minha tia, comecei a gastar todo o dinheiro que ganhava comprando sapatos, bolsas e roupas na Königsalle, a avenida mais chique da cidade, nas boutiques de grife. Quantas vezes chegava no final do mês sem um tostão na conta no banco! Essa gastança me acompanhou durante anos e me trouxe muitos, mas muitos problemas! Cuidado, pode se transformar em um vício, uma compensação. Hoje, estou curada. Já analisou seu jeito de comprar?

Estava feliz? Não. Sempre achando que faltava alguma coisa. Sempre me sentindo como um peixe fora d’água. O namoro com o Michael não vingou. Terminamos depois de quase um ano de namoro. Eu não gostava realmente dele. E provavelmente nem ele de mim. Tendo terminado o namoro, comecei a sentir solidão. Talvez por isto comprasse tanto!

Até que, uns dois anos mais tarde… Recebo uma carta do Saulo (“Seduções na Cidade Maravilhosa”) dizendo ter finalmente terminado o noivado e chegado à conclusão de que havia feito um erro muito grande em ter-me abandonado. Eu era a mulher da sua vida! Uma carta cheia de recortes de jornal, fotos suas, palavras de amor. “Volta, meu amor, por favor, volta.”

Mas, estava na hora de voltar? Queria eu voltar, realmente? Há três anos na Alemanha, agora já aos 25? Falava já quase fluentemente a língua, tinha terminado todos os cursos de alemão, diploma do Instituto Goethe na mão, que me habilitava a estudar numa universidade alemã ou mesmo a lecionar a língua. Estava na hora de voltar? E será que eu poderia confiar desta vez no Saulo?

Espero que você tenha ficado curioso(a) e que volte aqui para ler. Se deixar um comentário eu ficarei muito feliz, pois saber como minha escrita te toca é importante para mim. O mais importante. Muito obrigada por ter me acompanhado até aqui.

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23 comentários
    1. obrigada, cristina. amo a lingua portuguesa. Aqui sem acentos, devido ao teclado alemao. desculpe. Obrigada por me seguir aqui. volte sempre!

  1. Boa …o tiro saiu pela culatra…quem diria! No frigir dos ovos a própria tia ajudou a criar o mote para morar sozinha. Que venha o próximo capítulo! Grande abraço!

  2. Me agrada mto em ti, uma ousadia frente o viver. Penso que a instabilidade de tua infÂncia te deu uma coragem e curiosidade pelo novo e se permitir sair pelo mundo!!!!
    IMagino que voltou e fez um filho brasileiro , mas ele fez das deles e tu voou… curiosa com os próximos passos… beijo de tua fã encantada

  3. Oi, SUSAnne, não vejo a hora de ler o próximo capítulo.
    Sabe que vc está me inspirando para escrever?
    Quem sabe?
    Bjs. Até breve!

    1. Que maravilha! Todas nós temos nossas histórias. Para mim está sendo maravilhoso escrever. Aconselho! E tambem curiosa…

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